Joinville, 04 de maio de 2015 - PUBLICAÇÕES ONLINE
Quem nunca se arrependeu de uma compra por impulso que atire o
primeiro cartão de crédito. De acordo com o Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), a situação é muito frequente, mas poucos
consumidores sabem que podem desistir da aquisição e receber seu
dinheiro de volta, sem ter de dar nenhuma explicação, se a compra tiver
sido feita por telefone ou pela internet. É o chamado direito de
arrependimento, garantido pelo artigo 49 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC).
O dispositivo assegura que “o consumidor pode desistir do contrato,
no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de
recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento
comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”.
Seu parágrafo único estabelece que “se o consumidor exercitar o
direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores
eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão,
serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados”.
Vale ressaltar que o direito de arrependimento não se aplica a
compras realizadas dentro do estabelecimento comercial. Nessa hipótese, o
consumidor só poderá pedir a devolução do dinheiro se o produto tiver
defeito que não seja sanado no prazo de 30 dias. Essa é a regra prevista
no artigo 18 do CDC.
Custo de transporte
Em caso de desistência da compra, quem arca com a despesa de entrega e
devolução do produto? A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) decidiu que esse ônus é do comerciante. “Eventuais prejuízos
enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à
modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial”, diz a
ementa do REsp 1.340.604.
O relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou no voto
que “aceitar o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento,
legalmente não previsto, além de desestimular tal tipo de comércio, tão
comum nos dias atuais”.
A tese foi fixada no julgamento de um recurso do estado do Rio de
Janeiro contra a TV Sky Shop S/A, responsável pelo canal de compras
Shoptime. O processo discutiu a legalidade da multa aplicada à empresa
por impor cláusula contratual que responsabilizava o consumidor pelas
despesas com serviço postal decorrente da devolução de produtos.
Seguindo o que estabelece o parágrafo único do artigo 49 do CDC, os
ministros entenderam que todo e qualquer custo em que o consumidor tenha
incorrido deve ser ressarcido para que ele volte à exata situação
anterior à compra.
Assim, a Turma deu provimento ao recurso para declarar legal a multa
imposta, cujo valor deveria ser analisado pela Justiça do Rio de
Janeiro.
Financiamento bancário
O consumidor pode exercer o direito de arrependimento ao contratar um
empréstimo bancário fora das instalações do banco. A decisão é da
Terceira Turma no julgamento de recurso especial referente a ação de
busca e apreensão ajuizada pelo Banco ABN Amro Real S/A.
A ação foi ajuizada em razão do inadimplemento de contrato de
financiamento, com cláusula de alienação fiduciária em garantia (em que
um bem móvel ou imóvel é dado como garantia da dívida). A sentença negou
o pedido do banco por considerar que o contrato foi celebrado no
escritório do cliente, que manifestou o arrependimento no sexto dia
seguinte à assinatura do negócio.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
afastou a aplicação do CDC ao caso e deu provimento ao recurso do banco.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou primeiramente que a
Segunda Seção do STJ tem consolidado o entendimento de que o CDC se
aplica às instituições financeiras, conforme estabelece a Súmula 297 do
tribunal.
Sendo válida a aplicação do artigo 49, a relatora ressaltou que é
possível discutir em ação de busca e apreensão a resolução do contrato
de financiamento garantido por alienação fiduciária.
Para Nancy Andrighi, após a notificação da instituição financeira, o
exercício da cláusula de arrependimento – que é implícita ao contrato de
financiamento – deve ser interpretado como causa de resolução tácita do
contrato, com a consequência de restabelecer as partes ao estado
anterior (REsp 930.351).
Em discussão
Para facilitar ainda mais o exercício do direito de arrependimento, o
Ministério Público (MP) de São Paulo ajuizou ação civil pública com o
objetivo de impor nos contratos de adesão da Via Varejo S/A, que detém a
rede Ponto Frio, multa de 2% sobre o preço da mercadoria comprada em
caso de não restituição imediata dos valores pagos pelo consumidor que
desiste da compra. Pediu ainda inclusão de outras garantias, como
fixação de prazo para devolução do dinheiro.
A Justiça paulista atendeu aos pedidos, e a empresa recorreu ao STJ,
que ainda não julgou a questão. Com o início da execução provisória da
sentença, a Via Varejo ajuizou medida cautelar pedindo atribuição de
efeito suspensivo ao recurso especial que tramita na corte superior.
Trata-se do AREsp 553.382.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, deferiu a
medida cautelar por considerar que o tema é novo e merece exame
detalhado do STJ, o que será feito no julgamento do recurso especial. O
Ministério Público Federal recorreu, mas a Terceira Turma manteve a
decisão monocrática do relator (MC 22.722).
Alteração do CDC
O direito de arrependimento recebeu tratamento especial na
atualização do CDC, cujo anteprojeto foi elaborado por uma comissão de
juristas especialistas no tema, entre eles o ministro do STJ Herman
Benjamin. A mudança é discutida em diversos projetos de lei, que
tramitam em conjunto.
O PLS 281/12 (o texto do substitutivo está na página 44) trata dessa
garantia na Seção VII, dedicada ao comércio eletrônico. Atualmente em
tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o
projeto amplia consideravelmente as disposições do artigo 49,
facilitando o exercício do direito de arrependimento. Há emenda para
aumentar de sete para 14 dias o prazo de reflexão, a contar da compra ou
do recebimento do produto, o que ocorrer por último.
O texto equipara a compra à distância àquela em que, mesmo realizada
dentro da loja, o consumidor não tenha tido acesso físico ao produto. É o
que ocorre muitas vezes na venda de automóveis em concessionárias,
quando o carro não está no local.
Também há propostas para facilitar a devolução de valores já pagos no
cartão de crédito, para obrigar os fornecedores a informar
ostensivamente a possibilidade do exercício de arrependimento e para
impor multa a quem não cumprir as regras.
Passagem aérea
Outra questão que ainda não tem jurisprudência firmada refere-se ao
exercício do direito de arrependimento nas compras de passagens aéreas
pela internet. O Idec defende que o artigo 49 do CDC também deve ser
aplicado a esse mercado, mas não é o que costuma acontecer na prática,
segundo o instituto.
O PLS 281 prevê a inclusão no código do artigo 49-A para tratar
especificamente de bilhetes aéreos. O texto estabelece que, nesse caso, o
consumidor poderá ter prazo diferenciado para exercer o direito de
arrependimento, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma
fundamentada da agência reguladora do setor.
A agência, no caso, é a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que
já vem fazendo estudos técnicos sobre o tema e pretende realizar
audiências públicas para receber contribuições da sociedade. Por
enquanto, a Anac estabelece que é permitida a cobrança de taxas de
cancelamento e de remarcação de passagens, conforme previsão no contrato
de transporte.
Processos: REsp 1340604; REsp 930351; MC 22722
FONTE: STJ