Houve um caso em nosso escritório, na qual foi emitido uma nota promissória como forma de garantir o pagamento de um contrato de honorários. Mais ai vem a dúvida. Pode???
A primeira leitura do art. 42 do Código de Etica da OAB sugere que o advogado não poderia sequer receber um título de crédito em pagamento de seus honorários (nem mesmo um cheque ou nota promissórias, que são títulos de crédito), e se o recebesse, não o poderia jamais protestar. Essa interpretação foi sedimentada no âmbito de nossa classe, e prevalece ainda hoje. Mas uma nova avaliação do mesmo dispositivo indica, todavia, que não é bem assim. E é o que ocorreu com a publicação do Parecer da Turma do Tribunal de Ética de SP.
Com efeito, a análise sistemática do artigo 42 acima transcrito permite uma nova abordagem interpretativa, à luz dos conceitos jurídicos que norteiam o direito cambiário, e definem a natureza jurídica dos títulos de crédito.
Na lição de Vivante, "título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito [de crédito], literal e autônomo, nele mencionado". São atributos comuns a quaisquer títulos de crédito: incorporação (a própria cártula), literalidade (vale pelo que nela está contido) e autonomia (o direito do possuidor do título independe de quaisquer outras razões ou direitos dos possuidores anteriores do título, aos quais não se vincula).
Vários são os títulos de crédito admitidos no direito brasileiro, e este breve artigo não pretende aprofundar-se no seu estudo. Para os fins desse artigo, apenas uma breve comparação entre dois deles já lança luz para as conclusões pretendidas na interpretação do artigo 42 do CED.
Regulada pela Lei 5474 /68, a DUPLICATA define-se como um título de crédito causal e à ordem, que pode ser criada pelo credor, no ato da extração da fatura, para circulação como efeito comercial, decorrente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, para aceite do devedor, destinatário dos bens ou serviços, oportunidade em que o documento se aperfeiçoa como título de crédito.
NOTA PROMISSÓRIA é um título de crédito sob a forma de promessa de pagamento, solene, direta e unilateral, de certa quantia, à vista ou a prazo. Regulam o tema, o Decreto n. 2.044 /08, e o Decreto n. 57.663 de 24/01/1966 (Lei Uniforme). Figuram como partes na nota promissória: o subscritor ou promitente-devedor e o beneficiário ou promissário-credor. Sendo a promessa uma declaração unilateral do promitende-devedor, não há necessidade de aceite. A manifestação objetiva de ciência da dívida já é feita implicitamente no ato da promessa unilateral. É título abstrato (ou não-causal), pois sua emissão não exige a indicação do motivo que lhe deu origem.
Da comparação entre esses dois títulos, observa-se que o primeiro é de emissão ou saque do credor, assim como o é a letra de câmbio. A segunda (NOTA PROMISSÓRIA) é de emissão ou saque do devedor, assim com o é o cheque.
O artigo 42 proíbe efetivamente ao advogado sacar duplicata, ou seja, emitir um título que represente o crédito originado da sua prestação de serviços: o dispositivo legal é claro quando destaca que o credor (o advogado) não está autorizado ao saque de qualquer título de crédito de sua emissão, em especial, a duplicata.
Mas o mesmo dispositivo legal nada dispõe nem faz qualquer restrição aos títulos de emissão de devedor (neste caso - o cliente - e devedor, consequentemente, dos honorários pelos serviços que lhe foram prestados). Uma nova interpretação do artigo 42 sugere que todos os títulos de crédito de emissão do devedor não estão contemplados na proibição do artigo 42.
E essa é a interpretação mais consentânea com a realidade: o título emitido pelo devedor em favor do advogado é confissão expressa e consciente -especialmente por ser unilateral - da dívida de honorários.
Mas, novamente: se o artigo 42 não faz qualquer restrição à emissão de títulos de crédito pelo devedor de honorários (cheque e nota promissória), também não faz qualquer restrição ao protesto desses títulos: se o cliente pode emitir cheque e nota-promissória para representar o crédito de honorários, poderá o beneficiário desse mesmo crédito protestar o respectivo título,a forma da lei cambiária.
Há, no TED I - Tribunal de Ética e Disciplina - Seção Deontógica, uma decisão advertindo de que o trabalho deverá ter sido concluído para se levar um cheque ao protesto. Endossá-lo, jamais, ao argumento de que a relação cliente-advogado é sigilosa, e o endosso poderia ferir tal sigilo.
Com efeito, ainda no bojo do TED I, o entendimento até então sedimentado era o de que títulos de crédito não poderiam servir de meio de pagamento ou promessa de pagamento dos honorários de advogados. E, portanto, não poderiam os advogados nem protestar nem endossar esses títulos.
Entendemos, todavia, que se deva dar uma amplitude maior ao crédito do advogado, permitindo o protesto, e autorizando, ainda, o seu endosso a terceiros.
Primeiro, porque nem todos os títulos estão proibidos aos advogados, mas apenas aqueles de sua emissão. Segundo, porque, nenhuma restrição é imposta aos títulos emitidos por seus clientes (cheque e nota promissória).
O argumento que proibiria o endosso não se sustenta à luz dos conceitos próprios do direito cambiário: a literalidade e a autonomia dos títulos de crédito permitem afirmar que a causa de sua existência é irrelevante para a sua validade, e de fato, não há que se perquirir a origem do saque ou emissão: se assim é, o sigilo imposto à relação cliente-advogado permanece preservado, e o endosso -para fins de circulação do título, permitido.
Não se afasta eventual má-fé na circulação destes créditos representados por cheques ou notas promissórias, respondendo a parte que lhe der origem às sanções legais decorrentes, facultado ao emitente invocar eventual vício na relação que deu origem ao crédito a teor do que determina o artigo 893 do Código Civil . As oponibilidades pessoais do cliente devedor em relação ao advogado, todavia, não invalidam o título nem os direitos neles inerentes em relação a terceiros, endossatários, a quem o título tiver sido endossado.
São apenas três os casos em que poderão ocorrer, com validade, as oponibilidades ao pagamento na ação cambiária:
a) Direito pessoal do réu contra o autor;
b) Defeito de forma de título;
c) Falta de requisito ao exercício da ação.
Assim, as primeiras conclusões que se podem extrair de uma nova interpretação do artigo 42 do CED são:
(1) É vedada a emissão de duplicata ou titulo de crédito pelo advogado credor (letra de cambio e a fatura), e mais ainda, é vedado o respectivo protesto.
(2) Autoriza-se a emissão de fatura discriminada dos serviços prestados (crédito do advogado), mas veda-se o seu protesto (art. 42, in fine).
(3) É admissível que o crédito do advogado seja representado por titulo de crédito emitido pelo devedor (cheque ou nota promissória), permitindo-se que seja levado a protesto dentro das condições de prazos de vencimento estipulados no contrato;
(4) É admissível o endosso desses títulos no meio circulante, ainda que o trabalho esteja em curso, fato que não redunda nem na quebra do sigilo nem na mercantilização da profissão.
(...)
CLAUDIO FELIPPE ZALAF – Relator (publicado em Nov/2008)
Fica claro, pelo parecer acima colacionado que, a nota promissória pode ser emitida para fins de garantir o pagamento de contrato de honorários, sem, para tanto, estar infringindo qualquer dispositivo legal.
Desta forma, o cliente concordando em dar em pagamento o valor estipulado, sendo para tanto, garantido pela nota promissória, como seria, com um cheque, por exemplo, o que ocorre rotineiramente nos escritórios de advocacia, não há qualquer impecilho legal.